Cocoricó, clique, ponto final

O Sr. Kaita abre a porta e faz um gesto nos convidando para entrar. Suas palavras são tímidas e difíceis de entender, todavia o seu sorriso simpático transmitido pelo olhar é reconfortante como a neblina que acaricia a relva. Responde à maioria das nossas perguntas com um “hai!” bastante expressivo. 

Meu pai queixava-se de dor no pescoço, portanto fui acompanhá-lo ao massoterapeuta indicado por um amigo. Sr. Kaita é um imigrante japonês que vive há cinquenta anos no Brasil. 

Sua sala de atendimento é silenciosa e perfumada, com texturas de tecidos de cores terrosas que operam como calmantes sensoriais. 

— Vou dar uma caminhada. — Eu anuncio.

— Então fecha a porta. — a voz suave do Sr. Kaita emerge do outro lado da cortina branca, que divide a recepção do quartinho de massagem.

Encosto a porta pesada de madeira e saio para explorar.

Rodeada por terrenos vazios e árvores com belas flores, a rua sem saída parece o lugar ideal para testar a minha nova câmera. Aquela manhã fora apenas o segundo dia com a Canon recém nascida e eu estava com sede de fazer novas fotografias. Levei bastante tempo para conseguir voltar a fotografar de forma livre e sem preocupações; uma nova câmera seria o símbolo de um recomeço.

Sinto as árvores chorando as gotas úmidas do sereno na minha cabeça. Caminho cuidadosamente pelo chão de pedras hexagonais típico de Florianópolis. Tudo é tão quieto, e o toque da natureza massageia o meu cérebro. É perceptível o motivo pelo qual o Sr. Kaita escolheu esse lugar como ambiente de trabalho.

Na minha frente vejo um terreno imenso com vacas deitadas entre as árvores. Galinhas atravessam a cerca de arame farpado e caminham descontroladas pela rua — parecem os pedestres que cruzam a Rua Felipe Schimidt no centro de Florianópolis — sem notarem a minha presença, afinal, precisam continuar a sua fuga.

— Cocoricó — Diz o galo. Um lindo galo, grandioso, de crista vermelha e penas brancas com tons dourados.

Meu senso fotográfico e artístico grita de dentro para fora. Percebo o momento e clico. Raras são as vezes que o primeiro clique fica perfeito. É como estar com uma câmera de filme em mãos e registrar aquele instante sabendo que é raro.

Assim como um disparo fotográfico, a massagem termina e o meu pai sai do quartinho na companhia de Sr. Kaita. Ele me alcança uma folha de caderno surrada com o número do PIX escrito em caneta BIC e eu faço o pagamento. Meu pai parece estar satisfeito com a massagem, de modo que trocamos algumas palavras finais com o massoterapeuta, nos despedimos e voltamos para casa.

Durante aquela hora não pensei nas minhas preocupações, tampouco lembrei da existência de um mundo virtual. Tudo o que eu queria fazer era estar conectado comigo e com a minha arte, recebendo da natureza a oportunidade de registrar as suas crônicas tão vivas. 

Cocoricó, clique, ponto final.


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