Goteira maldita

Tem uma goteira na minha porta. A chuva lá fora exibe um humor torrencial. O aguaceiro desliza pelas cavidades até encontrar abrigo; perturba o meu sono numa sinfonia que atormenta. Plec.

Lágrima única. Lástima. Pinga e respinga, transfigurando-se em uma poça no chão que serpenteia até dar de encontro com os móveis. Corre. Córrego. Enxugo com uma dezena de panos que, sedentos, bebem toda a água num gole profundo.

Salto da cama com as bimbadas entre a gota e o chão. Custo a pegar no sono depois disso. Plec. Plec. Plec. Pego um balde e o coloco com precisão: Ploc. Ploc. Ploc. Quando chega a manhã está à beira de entornar.

O céu desanuvia-se e convido a entrada do sol. Faço graça jogando na calçada o toró acumulado. 

— Vá, pegue de volta o que é seu, nem devia estar aqui. 

Esqueço que choveu e começo a reclamar do sol e do calor.

Bate uma sensação estranha. Confiro a previsão do tempo como um viciado em algoritmo de rede social: possibilidade de chuva, sol, tempestade, alerta laranja. A Defesa Civil não para de mandar notificações exageradas. Que desespero!

Já estou pronto com os baldes antes da chuva chegar. Sinto-me como um soldado convocado para a batalha; sou submisso daquela única gota. Sim, senhora! Não, senhora! 

Olho para o céu de soslaio como alguém que teme ser assaltado no Centro. Percebo as nuvens fechando a cara — me encaram — e o céu escurece. As trovoadas alertam a chegada da gota que vem de enxurrada.

Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. Ploc. 

Assim como chega, parte rapidamente. As cortinas celestes se abrem exibindo um palco em ciano. Eu sorrio para ele e com ele. Sou espectador do seu show. Tiro o balde e seco os respingos do chão. Vou ao banheiro limpar as mãos. 

Escuto algo abafado tateando o teto. Plec. Ah não. Estou no banheiro e minha janela é alta demais para ver o que está acontecendo lá fora. Plec. Plec. Diabos! Saio do banheiro, abro a persiana e espio através da porta de vidro: chuva. Muita chuva! Não tinha o tempo sorrido há pouco? Tomo como uma ofensa, um deboche.

Pego o balde e calculo onde posicioná-lo. Pronto. Ploc. Ploc. Ploc. Não dá cinco minutos e a chuva para. Desisto.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *