Estou sentado na cozinha e ela pergunta se quero comer manga. É claro que sim, respondo, é minha fruta favorita. Só tem um empecilho (lá vem). Ergo a sobrancelha num ato instintivo, como se a ação fosse análoga a um ponto de interrogação no papel. “Não gosto de descascar”, ela diz. Prefere priorizar outras frutas; a banana, por exemplo, é bem mais fácil.
Admito que não sei descascar com faca, só uso descascador. Faz menos bagunça e tal, porém não há jeito de encontrá-lo; deve ter sido banido pelos outros utensílios durante a madrugada em uma rebelião.
Que infrutífero esse infortúnio. É essencial adicionar a matéria Como Descascar Uma Manga no currículo escolar do Novo Ensino Médio.
A manga é uma fruta cheia de surpresas. Assim como um ovo de chocolate na Páscoa, você fica na expectativa da surpresa. É possível que venha doce e com a textura ideal, mas também pode ocorrer de sua polpa mostrar sinais de decomposição e pegajosidade.
Outro problema da manga é que sou atraído apenas pela sua versão original. Na minha infância a Juraci, mãe de um colega, inventou de bater a fruta no liquidificador com água e torná-la suco. Ora, precisamos estabelecer alguns limites! Tudo o que menos gosto na manga está ali naquele copo gigantesco: o creme gosmento que não desce direito pela garganta. Fica agarrando. Que pesadelo! Dou um gole inteiro para nunca mais chegar perto daquilo e termino o meu prato seco.
Procuro não pensar a respeito.
Estamos na cozinha e precisamos decidir se queremos ou não comer a tal manga. Eu quero, mas que preguiça! Olho para a fruta inerte em cima da mesa e desisto. Ah, deixa para lá. Deixa para outra hora. A outra hora nunca chega. A manga volta para a geladeira.
Vejo uma banana na gaveta de frutas e legumes e descasco em poucos segundos. Bem mais fácil.
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